José de Castro
ArtesCulturaMemória

O Professor

Entrei na sala de aula e de imediato algo no ambiente arrepiou-me. Estranhei o peso, a aura como que mágica que pairava sobre cada uma das pessoas ali irrepreensivelmente sentadas, quais estátuas a demarcar um espaço que era seu por direito. Ocupei o meu lugar, chegando a pensar se me teria enganado na turma. O Professor chegou segundos depois. Entrou sem quaisquer aparatos, inaudível, era mesmo capaz de jurar que levitava na vez de andar. Chegou-se à secretária a aí pousou um pesado livro de muitas páginas. Se até então a sala já irradiava uma luminosidade invulgar, com a sua aparição como que mil sóis por ali irromperam, deixando-me cego, mas também surdo e mudo e sem saber o que pensar. Todos se ergueram mal o viram e só voltaram a sentar-se sob sua recomendação. Copiei-os. Seria um rei, uma entidade suprema, um Deus? Saudou os presentes educadamente e em uníssono estes responderam-lhe. Copiei-os. O respeito cortava-se à faca. Sentia-me algo sufocado, preso de movimentos, do género de quem se encontra olhos nos olhos com uma divindade e não sabe para que lado se há-de virar. Para a frente, ali seguramente. Soltou a voz e deu início à chamada. Uma voz firme, a rigor colocada, num timbre só ao alcance de quem bom uso lhe dava.

Laura Alves. Presente.

Amália da Piedade Rodrigues. Presente.

Lourdes Norberto. Presente.

Mariana Rey Monteiro. Presente.

Simone de Oliveira. Presente.

Io Apollony. Presente.

Depois os homens, que a primazia ali ainda se dava às senhoras.

João Villaret. Presente.

Ribeirinho. Presente.

Alberto Villar. Presente.

Raúl Solnado. Presente.

Carlos Cunha. Presente.

E eu a ouvi-los e a sentir-me mais e mais deslocado. Quem era eu para ali me encontrar, bem no epicentro da nata, da fina flor, dos expoentes máximos do teatro e da sétima arte a que Portugal já assistiu. Literalmente.

Miguel Teixeira.

Era eu, era o nome com que os meus pais me haviam brindado.

Presente, senhor Professor, presente! E contente, digo-o sem peias. Afinal não me enganara na sala. Mais descansado, admito, mas não menos intrigado. Aguardei. O Professor abriu o livro e fez-se luz. Ainda mais. Desde a sua estreia em Janeiro de 1952, no Teatro Maria Vitória, com a peça “A Hipócrita” (de Emelyn Williams), com Encenação de António Sacramento, percorreu cada episódio da sua longa carreira enquanto actor multifacetado de teatro e de cinema, relembrando os inúmeros desempenhos, as imensas personagens, todas vividas e interpretadas com grande personalidade e brilhantismo, só ao nível de quem nasceu, de facto, para ser Actor. A turma ouvia-o, um mar de nomes com que contracenou e viveu momentos inesquecíveis. Que lição, que classe. Uma verdadeira Masterclass. Finda a sua palestra, um longo e sonoro aplauso selou aquele instante e despertou-me para a realidade. José de Castro continua bem vivo. O que fez não se permite a morrer, a desaparecer. Antes se perpectua na memória. Dos que com ele privaram, mas também na das novas gerações. Paço de Arcos sabe-o bem e assim celebra o seu nome com a inauguração do Centro Cultural José de Castro. Pois a cultura é o maior valor que qualquer nação pode ostentar.

Obrigado Professor. Obrigado José de Castro.

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Miguel Teixeira

Mais de 30 anos de experiência no mundo da comunicação, especificamente nas funções de criativo, estratega e redactor publicitário. Extenso percurso por algumas das mais marcantes agências de comunicação nacionais e multinacionais enquanto elemento integrante dos seus departamentos criativos e mais recentemente como freelancer. Escritor e autor de várias obras literárias, quer no âmbito da narrativa de ficção quer na poesia. Artista plástico na área da colagem com vasta obra realizada, parte da qual já exposta individualmente ou em colectivas.

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