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Aproximar Oeiras: um outro olhar sobre o envelhecimento positivo

Chama-se Joana Pizarro Miranda, é licenciada em Direito, gestora do Projecto “Aproximar Oeiras”, nascido nos dias sem esperança da Pandemia Covid-19, com o propósito de enriquecer as vidas das pessoas que enfrentam novos desafios quando entram na reforma.

Em dezembro de 2020, um mundo assustado e perplexo, em situação de confinamento forçado, fechava-se sobre si. A solidão foi ainda mais dura para “gente crescida” já reformada.

O Presidente Isaltino de Morais solicitou um reforço do apoio a estas pessoas durante o período de confinamento e a Santa Casa da Misericórdia (SCM) aceitou o desafio. Nas instalações contíguas ao icónico rinque de patinagem de Paço de Arcos, em pleno Jardim Municipal, o azul de um Tejo imenso como pano de fundo, começou a funcionar e funciona um inovador Projeto de envelhecimento positivo, potenciador de saberes e lazeres, de partilha, de alegria que trazem mais vida à vida de cerca de oitenta seniores.

AVPA – Como se concretizou a ideia feliz do “Aproximar Oeiras”? Foi criado do zero, todo um trabalho de base à vossa espera

JMP – O projecto nasceu em Dezembro de 2020, criado de raiz. O Senhor Provedor, que conhecia já o meu trabalho na área, convidou-me a coordenar o Programa que pretende aproximar pessoas e gerações. Com a ajuda da Luísa Torres, Assistente Social, da Joana Pereira, Gerontóloga e da psicóloga Catarina Matias demos os primeiros passos …e cá estamos!

A tarefa primeira foi a de definir as principais necessidades e anseios do púbico alvo que nos propúnhamos ajudar, na faixa etária entre os 65-80 anos: o que não invalida que tenhamos entre nós um entusiasta participante com 96 anos lúcidos e activos! Em pleno período da vacinação anticovid lançámos, no Centro de Vacinação de Carnaxide, um inquérito que funcionaria como estudo exploratório – “Envelhecer na 1ª pessoa” – para percebermos como vivem as pessoas o seu envelhecimento e como gostariam de o viver de forma plena.  Quatrocentas respostas mais tarde – 400! – os testemunhos interessantíssimos que recebemos estão reflectidos nas linhas condutoras do “Aproximar”.

O fim da pandemia não significou o fim do Programa de luta contra a solidão e o isolamento, diria antes que o recentrou. Não há saídas suficientes para as pessoas reformadas que mantêm autonomia, energia, pessoas que perderam o seu contexto social e de trabalho, muitas das quais vivem longe da família; cedo começam a afundar no buraco do isolamento e da solidão. Há estudos que mostram que a solidão extrema potencia as demências, a probabilidade de problemas cardiovasculares e de estados depressivo. Daí a importância destas iniciativas que, a prazo, evitam muito sofrimento humano e custos elevados para o SNS…

É muito motivador o facto de que, até há pouco tempo, apenas cerca de 30% das pessoas reformadas faziam escolhas no sentido de um envelhecimento activo; atualmente essa percentagem tem aumentado, o que diz muito sobre a profunda mudança cultural que ocorre na sociedade portuguesa no que respeita ao que planeamos fazer com a nossa vida depois da reforma.

Na verdade, se a longevidade tende a aumentar, torna-se imperioso encontrar, dentro da comunidade, espaço e um propósito de vida para estas pessoas, na certeza de que o seu contributo continua a ser necessário e é bem-vindo!

AVPA – Quais os objectivos estruturantes do Programa que pretende aproximar pessoas e gerações?

JPM.  De forma sucinta dir-lhe-ei que o Aproximar  pretende ser mais do que um programa com impacto no presente porque tem em si mesmo o potencial  de se repercutir em três eixos: melhorando gradualmente a qualidade de vida dos participantes protegendo-os de processos de deterioração futuros; contribuindo para uma cultura positiva em oposição à forma comogerações futurascontemplarão o seu próprio processo de envelhecimento e actuando preventivamente no risco de solidão crónica, preservando a autonomia, estimulando a sociabilização, a participação e a atividade física, contribuindo assim para uma melhoria do estado de saúde geral

Ser parte de respostas como a da “Prescrição Social”, faz cada vez mais sentido, numa interligação inegável entre a qualidade da saúde e as redes socias de suporte na comunidade

AVPA – É um projecto de esperança para os que envelhecem quase sem “rede”, entregues a si mesmos, um programa ambicioso e multidisciplinar: como conseguir concretizá-lo?

JPM – Estamos conscientes da dimensão do desafio que abraçámos com entrega total e entusiasmo. Mas, evidentemente, o Programa não poderá andar para a frente sem o apoio dos sectores académico, empresarial (áreas da saúde, farmacêuticas, seguradoras, por exemplo) e do Estado, como reconhecimento de que esta problemática respeita a todos e deve ser abordada com a preocupação de envolver toda a comunidade de proximidade, sublinhando a sua dimensão intersectorial.

AVPA – As pessoas que os procuram percebem a amplitude deste projecto? Estão a aderir ao vosso modo de fazer diferente?

JPM – Num curto horizonte temporal de dois, quase três anos, temos oitenta participantes a usufruir das nossas actividades e a procura tem-se processado num crescendo. Temos uma lista de espera de vinte pessoas, porque não há capacidade para as receber, como pode ver, olhando à sua volta. Lutamos com constrangimentos de espaço, quer em área quer nas condições físicas das instalações. É interessante perceber que as pessoas chegam até nós recomendadas por outras que nos frequentam e que sentem que as suas vidas ganharam novas saídas.

AVPA – Como conseguem desenvolver tantas actividades? Tantas e tão diversificadas: dança meditativa e ballet, artes plásticas, teatro, danças de salão, grupos de discussão de questões de cidadania, inglês, clube de leitura, explicando a mente, curso de pintura e desenho, costura criativa, informática!

JPM – A informática é um problema: mais de trinta pessoas inscritas nestas aulas e apenas dispomos de cinco computadores fixos, muito, muito velhos. Precisamos com urgência de seis a oito portáteis – em 2a mão – para aumentarmos a nossa capacidade de resposta.

As actividades acontecem em horas e dias desencontrados. Dispomos de espaços disponibilidades por dois parceiros: a Paróquia aqui ao lado que nos cede o salão onde fazemos o teatro e dança meditativa e o Clube Desportivo de Paço de Arcos que nos cede o seu centenário Salão Nobre com as suas paredes forradas de espelhos e que lembram antigos dias de glória.

A UFOPAC cede-nos ainda uma sala, duas horas por semana, para o atendimento psicológico e para sessões de estimulação cognitiva, O apoio psicológico, bem com como o apoio psicossocial são áreas fundamentais de intervenção do Aproximar, pois cada pessoa que nos chega traz consigo o “seu mundo”.

Promovemos ainda conferências mensais, workshops, visitas, passeios. A escolha dos temas é feita tendo em conta os interesses dos participantes – e são muito variados! – contrariando assim a ideia de que existem temas específicos, nomeadamente relativos à saúde, que as pessoas reformadas elegeriam como prioritários.

Na semana passada, por exemplo, participámos, em Lisboa, num Congresso sobre novos modelos de intervenção social “A Prescrição Social”, como resposta diferenciada que aposta numa maior articulação entre a Saúde e a comunidade, através do Serviço Social. Sabe-se hoje que cerca de 80% do estado de saúde de uma pessoa depende das suas condições de vida.  É evidente a importância do Projecto Aproximar e de outros similares, no impacto que têm na vida de todos os que os frequentam. Nós, a sociedade, menosprezamos e desvalorizamos as pessoas mais velhas que estão atentas, informadas, muitas vezes mais modernas do que muita gente mais nova.

AVPA – Pois, o malfadado idadismo: os preconceitos e estereótipos que discriminam os mais velhos por causa da idade, “infantilizam” como se se tratasse de cidadãos de segunda classe.  Esperamos que o vosso contributo possa minorar o sofrimento que estas e outras atitudes acarretam.

Sabemos que, no próximo dia 30 de Maio, no Templo da Poesia, em Oeiras, vai realizar-se o I Congresso do “Aproximar” Quer contextualizar esta importante iniciativa?

JPM – Desde o início que este Programa tenta ser uma resposta ajustada e actual àquilo que são as necessidades das pessoas. Por essa razão, tem parcerias com o sector académico e da investigação que se faz nesta área, nomeadamente com o ISCTE. Esta mesma preocupação levou-nos a organizar o “I Encontro Aproximar”, já no próximo dia 30deMaio, noTemplodaPoesia, emOeiras. Terá o formato de uma conferência e contará com um painel de investigadores na área do envelhecimento. Convidamos desde já toda a comunidade a participar.

AVPA – Entre os dias 22deMaioe2deJunho, no OeirasParque, há mais novidades, uma Exposição…

JPM – Sim, sim! No Oeiras Parque vamos ter a oportunidade de divulgar um pouco o Aproximar, através de uma mostra de trabalhos que por aqui se fazem, espelhando o espírito do Programa.

Se tivesse de salientar aquilo que nos motiva a todos no “Aproximar” – quem cá trabalha e quem nele participa – diria que é o verdadeiro sentido de pertença, de interajuda de todos na construção de uma resposta que retire as pessoas de uma vida de solidão.

AVPA – Por fim, umas palavras para os que estão sós, deprimidos, com vontade de desistir. Não desistam! Enquanto tiverem mobilidade – mesmo que reduzida; saúde – mesmo que com pacemakers, diabetes, dor aqui dor acolá – exijam TUDO a que têm direito. Estão vivos, têm sonhos, gostam de ler, de publicar livros ou de fazer crochet, de ir ao cinema ou ao futebol, de ir a concertos, a exposições, de viajar – se houver dinheiro – de “surfar” novas ondas… Convivam, riam, apoiem-se mutuamente, façam aquilo que não puderam fazer quando trabalhavam e criavam os vossos filhos! Não permitam o tratamento infantilizado do “velhinho coitadinho”, da “velhinha tão gira”. Lembrem-se sempre que são cidadãos de pleno direito, que pagam impostos, dinamizam a economia como o dinheiro das vossas grandes ou pequenas reformas. Levantem a cabeça, respirem fundo, saboreiem plenamente o cálice que é vosso por direito próprio. Maravilhem-se com o que os rodeia.

É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir

dizia o nosso Poeta José Gomes Ferreira

Depois, quando finalmente chegar a HORA, cruzaremos o azul dos céus rumo a outras galáxias.

Fica ainda um obrigada às amáveis pessoas que falaram connosco e nos disseram do seu contentamento pelos novos caminhos que encontraram no seu ” Aproximar”:
– Somos como uma família. Só falta andarem connosco ao colo!

Margarida Maria Almeida

Oeiras, Maio 2023

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