Caleidoscópio do AutoconhecimentoFilosofiaSaúde

A Filosofia do Bem Viver

O homem comum é exigente com os outros, mas o homem superior é exigente consigo mesmo.

Marco Aurélio

“Olhe à sua volta, está no meio de milhares de pessoas entusiasmadas, que gritam e aplaudem os seus corredores de quadrigas favoritos na arena do Circo Máximo em Roma. Desvie o olhar para norte, agora foque e aumente: um rugido! Mesmo à sua frente um gladiador luta com um leão. À sua direita, um outro gladiador aponta-lhe uma lança, como se fosse atacá-lo, e à esquerda, um elefante monstruoso corre na sua direção. Foi nestes tempos dramáticos que se desenvolveu a “Filosofia Estóica”, diz-nos Jonas Salzgeber, autor de “O Pequeno Livro do Estoicismo.”

Neste mês de abril de 2022 em que os ânimos na Europa de Leste continuam exaltados em que, a falta de sono e de tranquilidade tendem a fragilizar-nos o sistema imunitário, achei por bem escrever este artigo que dá umas luzes do que é a Filosofia Estóica e como é que ela nos pode ser útil para, apesar das dificuldades e ansiedades, gerirmos a nossa vida com mais serenidade.
Talvez o leitor já tenha algumas noções do Estoicismo, mas é sempre bom reforçar as conexões cerebrais em práticas que nos fazem bem. A promessa da Filosofia Estóica consiste simultaneamente em levar uma vida supremamente feliz e ao mesmo tempo na auto-preparação para lidarmos eficazmente com qualquer situação que a vida nos apresente ao longo do caminho. Os estóicos acreditavam que só podemos lidar bem com os desafios da vida, quando tiramos boas aprendizagens das experiências anteriores, quando somos responsáveis com aquilo que nos comprometemos, quando tentamos em qualquer situação da vida agir correctamente e desenvolvemos a capacidade de nos mantermos emocionalmente estáveis, não importa as dificuldades que estejamos a atravessar. -“Falar é fácil,” – parece que ouço o leitor dizer, – quero ver colocar na prática. E já agora, quem é que era esse povo, os estóicos?”

Um pouco de história é sempre bom para perceber de onde vimos, porque somos o que somos, e para fazermos melhores perguntas e escolhas hoje, tendo em vista um futuro mais pacífico e próspero.
No caso dos estóicos, que são os praticantes da Filosofia Estóica, tudo começou numa viagem mal sucedida.
Em 320 a.C. um mercador fenício viajando pelo Mar Mediterrâneo, naufraga algures entre o Chipre e a Grécia, perdendo toda a sua carga de múrex, um corante de cor púrpura altamente valioso, proveniente dos caracóis marinhos múrex. Este mercador chamava-se Zenão de Cítio que, apesar de perder toda a sua fortuna naquele acidente, viria a ser o fundador do estoicismo alguns anos mais tarde. Zenão, ficou bem amargurado com o que lhe tinha sucedido e viu-se a deambular falido pelas ruas de Atenas. Como tinha o hábito de ler, decidiu sentar-se numa livraria, pois não precisava de dinheiro para o fazer. Foi nisto que começou a ler sobre o filósofo ateniense Sócrates que ensinara um século antes. Zenão ficou tão impressionado com o que leu, que perguntou ao livreiro onde poderia conhecer homens como Sócrates. Como nada acontece por acaso, o livreiro apontou imediatamente para um transeunte que caminhava na rua e disse-lhe: -“segue aquele homem.”- Este homem era também ele um filósofo, de seu nome Crates, com o qual Zenão veio a estudar durante alguns anos.
Antes de fundar a sua própria filosofia cerca de 301 a.C., Zenão estudou também com outros filósofos iminentes, até ao ponto de acreditar piamente numa frase sua que ficou célebre:

Fiz uma viagem próspera quando naufraguei.” – Zenão percebera que a verdadeira fortuna não era material. Os estóicos defendiam que as pessoas deviam desfrutar das coisas boas da vida sem estarem dependentes delas. Que quando não somos escravos das nossas emoções ou desejos, podemos expressar a melhor versão de nós próprios a todo o momento e quando assim é, não há espaço para medos, inseguranças ou arrependimentos. Foi nesta linha que eu trouxe o artigo anterior sobre a importância de fazer pausas e de controlar a quantidade de estimulantes que ingerimos. Nem todos os estimulantes são ruins. O próprio exercício físico é um estimulante.

Zenão - Fundador do Estoicismo
Zenão – Fundador do Estoicismo

Em planta temos como bons exemplos a Camellia sinensis que é o chá verde, temos o jatobá, o ginkgo biloba e para quem aprecia, até o café, desde que consiga evitar de bebê-lo todos os dias. Todos estes, podem ser interessantes em quantidades moderadas, por terem princípios ativos com propriedades terapêuticas reconhecidas, por nos fazerem sentir por vezes mais vivos e criativos, experienciar sensações em que a intensidade é elevada, mas que caso exceda a dose semanal recomendada e especifica de cada pessoa, também podem ter o efeito inverso e fomentar a falta de paciência, as preocupações, exacerbar as emoções por atrapalhar o repouso à noite e sujeitar os órgãos a trabalhos forçados. O equilíbrio é fundamental.

Continuando a epopeia estóica, vemos que, ao contrário de outras escolas filosóficas, estes seguiram o exemplo do seu “herói” Sócrates, reunindo-se e dando aulas em público onde qualquer pessoa comum, fosse catedrático ou não, rico ou pobre, poderia aprender a ter uma vida boa. O seu local de eleição era o “Stoa Poikilê,” o “Pátio Pintado” em Atenas, que viria a influenciar o nome pelo qual ficaram conhecidos. Assim nasceu o Estoicismo, uma das escolas filosóficas mais influentes nos cinco séculos que se seguiram, chegando até a influenciar os romanos que eram bastante conservadores. Em Roma, o estoicismo teve seguidores e praticantes famosos tais como Marco Aurélio, Seneca e Epicteto dos quais, os seus escritos, servem ainda hoje de fontes inestimáveis para o estudo desta filosofia.
Para ficar claro, os estóicos não eram contra a prosperidade financeira. O próprio Seneca era bastante abastado e acumulou uma considerável fortuna equivalente aos dias de hoje à de um multimilionário. Simplesmente, pelo que os seus escritos transmitem, não faziam dela o seu objetivo principal. Para eles o objetivo primordial da vida era a eudaimonia, que traduzido significa viver em harmonia com o seu eu interior ou em outra compreensão, expressar a versão mais elevada de si mesmo em cada momento.
Marco Aurélio, chegou a ser imperador romano e disse que “o homem comum é exigente com os outros, mas o homem superior é exigente consigo mesmo.”

Os estóicos ensinavam que somos responsáveis pela nossa vida. Mesmo em situações aflitivas externas que não podemos evitar os acontecimentos, existe sempre um espaço interno que podemos controlar, que é a forma como podemos reagir a esse acontecimento. Segundo esta filosofia, não são as situações que nos fazem felizes ou infelizes, mas a interpretação que delas fazemos.

Existem tormentas neste oceano da vida terrena que nem sempre são fáceis de atravessar. Há marés e sombras internas, às vezes crenças limitantes que nos impedem de explorar o nosso potencial e que todos nós precisamos olhar com atenção, remar para as resolver e seguir em frente. Há também situações de luto, de tristeza, mas a vida continua e ao fim de algum tempo temos que lhe dar uma resposta cabível. O luto é muito importante, mas de certeza que quem desencarnou quer que continuemos a viver com saúde e que sejamos felizes. As frustrações no trabalho, na vida social ou familiar, até mesmo as questões de saúde, fazem parte do nosso desenvolvimento. Sem elas não podíamos crescer, entender o que estamos aqui a fazer e ganhar maturidade. Nem sempre essa resposta surge espontaneamente da nossa capacidade racional e emocional naquele momento. Em último caso, precisamos encontrar alguém que entenda do assunto, um terapeuta dessa especialidade que cuide de nós e nos faça as perguntas certas.
Que nos dê uma visão neutra do assunto e oriente possíveis caminhos para chegar em águas mais calmas. Eu mesmo busquei auxílio para melhorar a minha saúde em certas fases da minha trajectória. Não foi fácil. Pareciam tantas mudanças ao mesmo tempo, será que seria capaz? O certo é que, mesmo nem sempre sendo a coisa que mais me apetecia naqueles diferentes momentos, dei o meu jeito de evitar o que em cada fase precisava ser evitado e incentivei hábitos mais saudáveis que depois se tornaram regulares. Obriguei-me a estudar e pôr em prática no meu laboratório pessoal que é o meu corpo, para entender a origem do desequilíbrio, porque a necessidade fazia-se emergente.
Não é vergonha nenhuma pedirmos auxílio de um profissional. Todos nós somos professores e alunos e a necessidade aguça-nos a arte da escuta. Esta resposta exige treino, paciência, exige calma e ação, mais do que reclamação, mas o sentido da vida e o domínio de si vêm com o passar do tempo, com o estudar cada situação, com o cuidar do sono e da alimentação, com a domesticação dos pensamentos, focando na solução e nem sempre no problema. Ninguém é perfeito e eu não acredito que o domínio de si possa ser adquirido de repente e para todo o sempre. A harmonia interna é um trabalho individual e diário, a cada milésimo de segundo que prestamos atenção ao que estamos a viver e não um objetivo finito. Os estóicos diziam que se tornar Sábio é um ideal hipotético, mas que é benéfico ter um modelo a seguir, um termo de comparação.

Jonas Salzgeber, no seu livro “O Pequeno Livro do Estoicismo,” diz-nos que raramente alguma árvore cria raízes profundas e se torna robusta se não lhe soprarem ventos fortes. É por ser abanada e vergada que a árvore tem necessidade de se fixar melhor à terra e expandir as suas raízes de modo a se tornar mais integrada e resistente ao meio ambiente. O estoicismo é um tema bastante amplo e apesar de eu, Bruno, o estudar há alguns anos, é impossível resumi-lo convenientemente neste pequeno texto. Contudo, na sequência do artigo anterior aqui no A Voz de Paço de Arcos (e arredores), achei pertinente nesta fase da humanidade trazer estas reflexões.
Para quem quer conhecer mais acerca da Filosofia Estóica, aconselho este livro que não é assim tão pequeno e ensina práticas e atitudes grandiosas. Como eu ouvi alguém dizer, um bom livro pode-nos livrar da ignorância e de uma vida sem sentido.
Os estóicos eram ávidos estudiosos porque aprender e apreender, além de ser muito útil para viver bem, pode ser prazeroso. Estar vivo é um constante reaprender a aprender e eles acreditavam que, tal como acontece com as árvores, as intempéries da vida de um ser humano, moldam-no para se tornar alguém mais resiliente, competente, mais experiente e seguro de si. E nesse campo os livros podem ensinar-nos a nos auto-conhecermos melhor, colocar em prática o que aprendemos e edificar bases sólidas para prosperar material e espiritualmente. Daí aquele dito popular, “o que não nos mata, torna-nos mais fortes.
É para isso que serve a Filosofia Estóica. Ela dá-nos estrutura psíquica e inteligência emocional para lidar mais eficazmente com as adversidades e se há coisa que a vida nunca deixará de nos apresentar ao longo desta nossa estadia na Terra, são fases menos fáceis, por mais que as tentemos evitar. É bom estarmos preparados.


Bruno Gonçalves
Naturopata e Acupuntor
(Texto livremente inspirado em partes do: “O Pequeno Livro do Estoicismo,” de Jonas Salzgeber)

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