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Rua Mestre Martins Correia

Mestre Martins Correia

O penúltimo bairro construído no Concelho de Oeiras por iniciativa municipal, no caso, em estreita parceria com a extinta Cooperativa de Habitação Social de Paço de Arcos, está localizado nos limites da antiga Freguesia de Paço de Arcos. A construção decorreu entre 2000 e 2001 para um total de 156 fogos. Para as suas ruas a toponímia foi escolhida na totalidade com dedicatórias a artistas que não chegaram a viver, por pouco, o século XXI. (Alain Oulman, Amália Rodrigues, Maluda e ao Mestre Martins Correia). O Bairro da Terrugem não tem contudo uma peça escultória, artística, nem sequer um parque infantil ou algo que lhe dê uma identidade ou vivência coletiva.

Nascido na Golegã a 7 de Fevereiro de 1910, Joaquim Martins Correia passou os primeiros anos de vida em contacto com a maior riqueza da ancestral vila ribatejana e com a sua ruralidade. Maria da Guia era o nome da sua mãe, que Alves Redol viria a referenciar na sua obra Os Avieiros. Curiosamente, o ano do seu nascimento é assinalado, na História da Arte Europeia, pelo aparecimento da primeira obra que dá início ao movimento artístico do abstracionismo, a partir de um trabalho, de linhas e manchas de cor do pintor russo Wassily Kandinsky (1866-1944).

Criança de refinada sensibilidade, desde a sua infância, num tempo em que havia uma ligação forte ao trabalho e aos ofícios. O seu imaginário ficou sempre umbilicalmente ligado ao aroma dos campos da terra lavrada. Martins Correia ficou órfão muito cedo, os seus pais faleceram numa epidemia (a gripe espanhola), e por esse motivo foi, em novembro de 1922, encaminhado para se tornar aluno interno na Casa Pia de Lisboa com 12 anos de idade.

O aluno casapiano, com o número 393, frequentemente desenhava e caricaturava os seu colegas e professores e ainda como estudante foi auxiliar dos professores de desenho, tendo concluído nessa instituição o curso industrial, foi-lhe atribuída uma bolsa de estudo para frequentar a Escola de Belas Artes de Lisboa, na qual se matriculou no curso de desenho em 1928, embora tenha terminado diplomado em escultura, a conselho do seu professor da cadeira de modelo, Luciano Freire.

No ano de 1924, dá-se o nascimento do manifesto surrealista de Paris. Uma nova geração de autores, produzindo obras sobre uma perspetiva visual, sentida por um mapa até aí inexplorado, que é o do subconsciente; nasce assim o desenho a que chamam “puro automatismo psíquico”, exercícios da memória, livre do controle da razão, uma nova realidade ou supra realidade suportada pelo poder misterioso do sonho.

É neste fervilhar de novos conceitos de arte que vai crescendo o jovem artista Martins Correia. Renovador inquieto, soube dar à sua vasta obra um cunho de modernidade revolucionária no panorama artístico português, identificando-se muitas vezes como o “Rapaz da Corneta”, que pintou como símbolo da mudança. Martins Correia nunca deixou de surpreender com as particularidades da sua linguagem plástica, caracterizada pela decantação formal e simplicidade conceptual, tendo ficado conhecido igualmente como o “escultor da cor” sempre a combinar com o vigor das cores primárias onde a utilização de intensos vermelhos, ocres, pretos, verdes, brancos, azuis e amarelos e uma preferência pelo bronze tornando a sua obra um trabalho de peso, em escultura também em pedra, ou madeira, contém um sentido de leveza, quer tenha cor, quer não tenha, mas com cor isso é mais notório e evidente, porque é raro.

Jornal “LER” | Ano 1 – N.º 11 | Fevereiro, 1953

Após se diplomar em Escultura e a par de uma produção constante de obra escultórica, cerâmica, medalhística e numismática, desenho e ilustração e ainda em poesia, foi professor de ensino técnico profissional na escola Rafael Bordalo Pinheiro nas Caldas da Rainha e em Lisboa, nas escolas Marquês de Pombal; Machado de Castro; Afonso Domingues; António Arroio.

25 de Abril de 1938 foi a data do matrimónio com aquela que seria a sua companheira de uma vida, Nené, de quem tem uma filha, Elsa Martins Correia. Nesse mesmo ano começou a expor individualmente, destacando-se logo em 1940 o seu trabalho na exposição da Missão Estética de Viana do Castelo, tendo o seu Cruzeiro do Minho merecido então referências de primeira página no jornal O Século. Nessa década de quarenta executou trabalhos de escultura para a Exposição do Mundo Português, foi um participante constante dos salões do SNI-Secretariado Nacional de Informação bem como continuou presença certa dos salões da Sociedade Nacional de Belas Artes (nos anos de 1936 a 1942) e conseguiu todos os prémios de escultura do país na época : o da Missão Estética de Viana do Castelo (1940), o Mestre Soares dos Reis (1942), o Mestre  Manuel Pereira (1943 e 1947), o de Escultura do SNI, o  do Salão Lisboa, a 1ª medalha do Salão Provincial da Beira Alta. Martins Correia recebeu ainda do Estado uma bolsa de estudos em Espanha e Itália  (1944 e 1945).

Em 1946, foi convidado para cargo de professor na Casa Pia de Lisboa, onde ficou até 1958 e de onde partiu para a ESBAL, até à sua última lição em 1971.

Em 1951 tornou-se presidente da Secção de Cultura Artística da Sociedade de Geografia de Lisboa onde editou o livro de Poesia, com o título “Poemas de Martins Correia”, com 26 desenhos de sua autoria, experiência repetida em nova edição mais tarde, em 1982. O canto, a poesia eram a sua manifestação cultural desde a sua juventude. A sua atividade como interveniente no espaço de cidadania mereceu também a participação em programas de rádio do seu contributo em 1965 com a realização de Assuntos de Arte, na antiga Emissora Nacional, foi ainda vogal efetivo da Academia de Belas-Artes de Lisboa e membro do Conselho de Arte e Arqueologia da Câmara Municipal de Lisboa, membro do Conselho Técnico à Exposição Portuguesa do Rio de Janeiro, foi também administrador da Fundação Abel de Lacerda do Museu do Caramulo e fundador (18 de Outubro de 1989) da Tertúlia Literária e Artística PARLATÓRIO juntamente com o engenheiro João Barão.

Tertúlia PARLATÓRIO – Bandeira

A Tertúlia PARLATÓRIO tinha nos seus objetivos, a divulgação da arte e da cultura e assim promovia visitas de caracter cultural, várias homenagens, exposições e conferências, participantes regulares desses encontros, o próprio Martins Correia, poetisa Natália Correia, embaixador Dário de Castro Alves, professor José Hermano Saraiva, Igrejas Caeiro, Lima de Carvalho, Pedro Cabrita e tantos outros, num desses encontros, no restaurante Mónaco, o radialista Igrejas Caeiro, descreve assim o Mestre: “Martins Correia era uma pessoa que nos abria, que nos sabia amar, que nos ensinava a amar, com uma simplicidade extraordinária”. Segundo Gabriela Carvalho, no livro sobre Mestre Martins Correia “Laureatos – o Mestre da Forma e da Cor”, é assim descrito: “Um dos maiores artistas portugueses do século XX que, com grandeza e dignidade, soube ser visionário em busca do ideal, livre nas formas e nas cores, capaz de sentimentos humanos artísticos em liberdade constante. Um exemplo impar de modernidade.”

Na comemoração do centenário do nascimento do escultor foi editado o livro de Gabriela Carvalho Martins Correia – Laureatus (2011); a publicação inclui dezenas de imagens de obras, uma fotobiografia, contribuições de Jorge Sampaio, Natália Correia, Marçal Grilo, Mário Soares e Urbano Tavares Rodrigues, entre outros.

Nos anos cinquenta a sua  exposição de 1957 na Galeria do Diário de Notícias valeu-lhe o prémio Mestre Luciano Freire da Academia Nacional de Belas Artes, assim como foi medalha de prata da Junta de Turismo de Cascais, sendo nesse ano também condecorado com a Ordem da Instrução Pública pelo Ministério da Educação Nacional, também foi galardoado com o Prémio Internacional de Gravura na Noruega e  o Prémio Internacional de Artes Plásticas em Bruxelas.

Ilustração do seu Livro de Poemas

Martins Correia fez parte da segunda geração de artistas modernistas portugueses, era um grande admirador de Pablo Picasso e Henry Moore ao ponto de realizar uma série de pequenas obras em bronze a que deu o título de Demoiselles da Golegã em analogia à obra Les mademoiselles de Avinhon, obra emblemática de Picasso que irá dar corpo a um novo movimento de arte na Europa, o Cubismo.

“Vai-se o sol vai-se o sol
Vai-se o sol a sombra fica
Vai-se o sol admirado
Da sombra ficar tão fica”

- Quadra popular
escolhida por M.C. para ser
incluída no seu Livro de Poemas

Numa exposição comemorativa dos 50 anos de atividade artística, faz oferta de espólio à sua terra natal, Golegã: cerca de setecentas peças constituíram o acervo que permitiu criar o museu Municipal Martins Correia nessa cidade.

“O Chão” – MC

Quando visitamos o seu Museu, inaugurado em 1982 pelo então Presidente da República, general Ramalho Eanes (1982), podemos olhar para a subtileza das linhas do desenho e para a sombra que as esculturas provocavam e para os bustos e são vários de destacadas figuras da cultura e da vida pública nacional: Natália Correia, Raul Solnado, Ana Hatherly, Sofia de Melo Breyner, António Vilar, Natércia Freire, Fernando Namora, Miguel Torga, Olegário Mariano, Jaime Cortesão, Augusto Canedo, Nuno de Simões, Thomaz de Melo, entre outros.

O conjunto de obras públicas espalhadas pelo país revelam a dimensão plástica da sua obra, como, por exemplo, os grupos escultóricos e relevos, integrados na arquitetura dos Palácios da Justiça de Pinhel, da Golegã, da Figueira da Foz e a composição escultórica do Café Império (Lisboa), a estátua de D. Pedro V (Faculdade de Letras de Lisboa), a escultura bidimensional, em bronze policromada, presente no inventário, A justiça e o povo (Palácio da Justiça, Lisboa), a estátua da Rainha Santa Isabel, (Biblioteca-Museu Luz Soriano, da Casa Pia de Lisboa), a estátua do Infante D. Henrique (Viseu) ou a estátua do Papa Pio XII para a Exposição de Arte Sacra Missionária no Mosteiro dos Jerónimos, um busto em mármore da mesma estátua, que se encontra atualmente no Seminário de Almada.

na Estação de Metro “Picoas”

A sua obra está também representada em inúmeras coleções particulares e em vários museus nacionais e estrangeiros, como o Museu Nacional de Arte Contemporânea/Museu do Chiado, em Lisboa; o Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto; o Museu de José Malhoa, nas Caldas da Rainha, a Casa-Museu Martins Correia na Golegã e o Museu de Arte Moderna de Madrid. Uma das suas mais significativas obras “Figuras de Silêncio” (1970) está localizada Dejima, ilha artificial na baía de Nagasaki, no lugar de uma antiga feitoria portuguesa cedida posteriormente aos jesuítas.

O Mestre no seu estúdio na Avenida da Índia

Também apelidado de “O escultor da cor”, o seu discurso artístico andou sempre em redor da riqueza das recordações da infância, numa pluralidade de conceitos, que lhe conferem, perante uma obra única na cultura portuguesa, o estatuto próprio perscrutado no saber erudito e popular não só nas figuras tratadas em bustos e pequenas esculturas em bronze, bem como de personalidades em destaque na cultura e sociedade portuguesa, o mar, a mulher, os cavalos e o desenho e manchas de uma policromia forte associada a conceitos de uma política assente na vivência das pessoas.

Em 1980, integrou a exposição Casa Pia de Lisboa, 200 Anos: artistas Casapianos, na Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1984 o Mestre realiza uma grande exposição dos sues trabalhos a que dá o título de Contornos na Galeria de Arte do Casino do Estoril, onde voltaria a expor frequentemente tanto em exposições coletivas como a ele dedicadas.

Natália Correia que viveu quase toda a sua vida em Lisboa era afilhada do Mestre e estava sempre presente nas exposições que este realizava. Fazia-o, sempre, com uma vincada presença de espírito; escrevendo, declamando discursos inflamados, sempre muito oportunos e de grande presença cultural. No seu apartamento num 5º andar na Rua Rodrigues Sampaio exibia com muito orgulho no hall de entrada da casa sobre numa credência um busto seu da autoria do seu padrinho.  

com Amália Rodrigues

Os anos de 1994 e 1995 são os anos de grande azáfama num intenso trabalho criativo para satisfazer o convite do Metropolitano de Lisboa para a execução e renovação estética da estação de Picoas, onde a mulher portuguesa é homenageada e levada ao seu cume máximo de grandeza humana representada pelo mito de Pomona, divindade grega, dos frutos, dos jardins e do Éden, que era esposa do deus da Primavera.
No átrio da estação pode ver-se a escultura em bronze Pomona e nos 12 painéis de azulejos, de grande força e garra artística, Martins Correia dá nobreza ao povo e ao que ele tem de saber e de erudição. Obra inaugurada pelo então pelo Presidente da República, Dr. Mário Soares, tendo também por ele sido agraciado com a Ordem de Santiago de Espada, desta vez no Grau de Grande Oficial. O seu nome está também perpetuado numa antiga passagem pública entre a Avenida Fontes Pereira de Melo e a Rua Engenheiro Vieira da Silva, agora Rua Mestre Martins Correia, muito próxima dessa estação, com a legenda «Escultor/1910 – 1999».

Leonor – figura humana feminina, em bronze policromado, 1998

Entre as suas obras mais recentes em espaço público estão, a escultura em bronze policromada O Povo de Amor Cantavainaugurada na Golegã em 1998 e a escultura “Leonor“, dedicada a Camões, implantada em frente à Biblioteca Municipal de Oeiras, município onde realizou uma das últimas exposições individuais, na Livraria-Galeria Municipal Verney (1996).

A escultura de Leonor – figura humana feminina, em bronze policromado, “Leva na cabeça o pote/o testo nas mãos de prata/cinta de fina escarlata/sainho de chamelote.”
A peça tem a seguinte inscrição na base da obra: “Descalça Vai Para A Fonte Leonor Pela Verdura”. (Vai formosa e não segura). A inscrição é em metal assente sobre uma base forrada a azulejos de cor laranja.
O conjunto revela uma conseguida harmonia de cores, com um cântaro à cabeça que é suportado e seguro com a mão direita, vem da fonte, Leonor imortalizada por Camões.
A obra insere-se na linha das suas Demoiselles de Golegã, em bronze policromado, de 1987, mas desta vez a figura feminina leva o cântaro à cabeça. Uma vez mais, Camões constitui-se num assunto escultórico de grande significado na obra e na poética do Escultor Martins Correia.

O derradeiro dia, do falecimento, chegou a 30 de Julho de 1999, a fechar o século XX. Martins Correia deixa uma obra que marca várias décadas da escultura portuguesa e assim a sua marca na História da Arte Contemporânea Portuguesa e que faz dele um dos maiores escultores portugueses do século XX.

“O melhor do ato é aquilo que não se explica.” 

Martins Correia

  • Lista de fontes para este artigo e Ligações complementares:
  • Catálogo da Exposição Antológica de Martins Correia – Casa da Liberdade – Mário Cesariny – 2015
    https://issuu.com/casadaliberdade-mariocesariny/docs/ct
  • Poética do Escultor Martins Correia
    https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/15731/2/ULFBA_TES%20767.pdf
  • A never cast sculpture of Martins Correia
    https://www.thefreelibrary.com/Uma+escultura+nunca+realizada+de+Martins+Correia.-a0593919338
  • Poema de Contornos
    https://www.patrimonio.pt/post/poema-de-contornos
  • Facebook:
    https://www.facebook.com/martcorreia
  • Obra Poética: https://rb.gy/hhxq2f
  • Vart http://vart.pt/martins-correia/#dados-biograficos

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Rui Veiga

Da primária ao secundário, nas escolas da Vila, da Ginástica no CDPA à Natação e ao Polo Aquático na piscina da Escola Náutica, muito aprendi nesta terra onde vivo. Hoje com formação em História de Arte e Desenho, abracei o desafio da Voz de Paço de Arcos, de ajudar a manter um jornalismo cívico, público, de contato próximo e comunitário.

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