À Conversa Com Antonio Vilardebó
Uma vida em Paço de Arcos
Sempre achei que havia um paralelismo entre atletas e guerreiros. São fortes, resilientes, corajosos, ambiciosos, aventureiros. Assim considero o meu Pai, hoje com 93 anos, e com uma história de vida bem recheada de acontecimentos.
Maria do Rosário Vilardebó: Viveu a sua vida toda em Paço d’Arcos, mas não nasceu cá…
António Vilardebó – Vim viver para Paço d’Arcos quando me casei com a Isabelinha Batalha Reis. Ela já cá vivia desde os 8 anos de idade. Eu nasci na Granja, distrito do Porto. O meu pai era militar e fez comissões em África, na Índia Portuguesa e posteriormente nos Açores levando a família com ele. Mas a maior parte da minha juventude vivia em Lisboa em Santos-o-Velho.
M. V. – Sei que foi um atleta e que por pouco participava nos Jogos Olímpicos. Quer contar como foi?
A. V.– Desde muito novo que tive contacto com o mar, e através da Mocidade Portuguesa fui fazer vela. E tinha jeito para aquele desporto pois desde cedo comecei a ganhar as regatas, pelo que participei em muitos campeonatos nacionais e internacionais na classe de Snipes e de Sharpies12. Foi-me apresentada a hipótese de participar nas Olimpíadas de 1948 mas preferi ir ao Campeonato do Mundo, nas Ilhas Baleares, onde ganhei o 2o lugar na classe de Snipes. Houve uma grande festa para a entrega das taças e quando fui chamado para receber a minha taça, que era entregue pelo General Franco, ele disse-me que só ma dava se dançasse com a filha (que era muito alta e me pisou os pés).
M. V.- Mas também dava saltos da prancha da piscina…
A. V.– É verdade, da prancha de 5m e da de 7,5m, da piscina da Granja onde passava as minhas férias de verão. E fazia figuras (saltos ornamentais): ‘anjo’, ‘carpa’, ‘pontapé na lua’ e ‘parafuso’ ao despique com um amigo. Acho que dávamos um bocado de espetáculo, mas com bons resultados porque depois as raparigas queriam dançar connosco.
M. V. – E então Paço d’Arcos. Conte-nos como foi.
A. V.– Comecei a namorar a Isabelinha quando estava a fazer o serviço militar em Engenharia 1. Acabei o curso de Engenharia civil no Técnico e depois pus-me à procura de trabalho. Ainda trabalhei na Câmara de Lisboa a fazer projetos, mas não pagavam grande coisa, por isso, quando me falaram de um senhor francês que estava a fazer entrevistas num hotel de Lisboa, fui até lá. Ele pediu-me que escrevesse num papel os meus dados e a razão porque queria aquele trabalho. Assim fiz, mas quando vi que, sobre a mesa, havia uma pilha de candidaturas, saí da entrevista com pouca esperança. No entanto, meses mais tarde recebi um telefonema dizendo que tinha sido escolhido após uma análise grafológica. E foi assim que começou a minha vida profissional: a Novembal! Primeiramente fui para França aprender ‘o ofício’. Levei a minha mulher, eramos recém-casados, e ficamos seis meses. Esse tempo serviu também para sedimentar uma amizade para a vida com o tal senhor francês, Pierre Jean Riboud – foi o meu patrão, mentor e grande amigo. Quando voltei para Portugal comecei a construir a fábrica, de raiz foi a única coisa que construí enquanto engenheiro civil. Estávamos em 1956, e eu já com um filho. A escolha do terreno foi na Estrada de Porto Salvo, a meio caminho de Paço de Arcos e foi esta a razão que me trouxe a esta terra: queria estar perto do meu trabalho.
M. V. – A Novembal, agora Seda, é uma fábrica que continua no mesmo sítio desde que nasceu, mas as outras que foram construídas na mesma época-Chambon e Autosil, já não existem.
A. V.- É incrível, não é? Resistiu a várias crises económicas, a 2 fogos, e ainda ali está. Sinto um grande orgulho e uma grande alegria sempre que passo por lá de carro. A única estrutura que concebi e construí ainda está de pé. Mas claro que a fábrica se manteve porque as embalagens que foi produzindo ao longo dos tempos eram de qualidade. A Novembal nasce com um único cliente: o Estado Português que precisava de embalagens tubulares para armazenamento e transporte de munições. O capital inicial era do Estado Português, de uma empresa Francesa, de onde vinham as máquinas e o know how, e de 2 accionistas portugueses, um deles o meu sogro Edmundo Batalha Reis. Os primeiros empregados foram contratados: o Luís Querido, que tinha estado na tropa comigo e que era um homem capaz de resolver qualquer dificuldade, o Renato, depois o Custódio e o Manuel Tavares que trabalhavam no metropolitano de Lisboa, a Maria Adelaide que casou com o Custódio, e tantos outros, de que já não me lembro do nome, que começaram a ser contratados tanto para a parte fabril como para a parte administrativa.
M. V. -A fábrica foi crescendo?
A. V.- Sim, a Novembal começou gradualmente a diversificar a actividade e passou a produzir embalagens e tubo de cartão para o mercado civil, e em 1965, passados 10 anos do seu início, já fazia a impressão das embalagens em tipografia e, mais tarde, em offset e rotogravura. Detergentes, produtos de higiene e limpeza. E claro que tivemos que admitir mais operários.
M. V. – E que desafios foram surgindo?
A. V.- Olhe, compreender quais as necessidades que os operários tinham para poderem trabalhar melhor. Por exemplo: os almoços. Era preciso fazer um refeitório, e assim foi feito. Outro exemplo: como havia muitas mulheres com filhos pequenos e que faltavam ao trabalho por não terem onde os deixar, propus aos operários que me ajudassem a construir uma creche, para que pudessem lá deixar os filhos durante o dia. Assim poderiam ir vê-los à hora do almoço, ou quando houvesse necessidade (por exemplo quando estivessem doentes). E correu tudo muito bem. Outro exemplo: ter um posto médico com uma enfermeira que pudesse socorrer os operários caso houvesse necessidade, e onde um médico viesse regularmente. E assim foi feito. O Dr. José da Cunha foi um médico sempre presente na Novembal. Tudo isto foi inovador naquela época.
M. V. -Sente que a Novembal foi uma espécie de filho para si?
A. V.– Talvez possa dizer isso…nasceu comigo, cresceu, e tornou-se independente. Dei-lhe muito de mim para a ver crescer e fortalecer. Até um filho que lá ficou a trabalhar e que hoje está no meu lugar, mesmo depois de ter passado para as mãos italianas e de ter mudado de nome para SEDA. Acho que fiz um bom trabalho, e sei que fiz muitos amigos. Quando vou ao Oeiras Parque ou lá abaixo à vila, por vezes encontro pessoas que me vêm falar com simpatia, e a maioria são pessoas que me conheceram na Novembal.
Texto: Maria do Rosário Vilardebó Fotografia: Paulo Mascarenhas
A Voz Impresso | Série: 3ª | Nº 29 | Junho | 2020|Ângela Maria Viegas Álvares – Poema dedicado ao Dia do mar