Bolinar nas Ondas da Rádio
Terá sido a ária “Largo” de Handel, a primeira peça artística a ser mundialmente transmitida sem fios, em dezembro de 1906. Aproveitando todos os estudos de entre outros, James Clerck Maxwell, Faraday, Lorentz, Gauss, Ampere, Henrich Rudolph Hertz, Guglielmo Marconi (na imagem de topo), Nikola Tesla, o Canadiano Reginald Aubrey Fessenden (1866-1932) que trabalhou com Thomas Edison que desenvolveu a forma de transmitir voz e esta música pelas ondas Hertzianas.
A primeira emissora de rádio, a funcionar com licença governamental, no mundo foi a KDKA, inaugurada no dia 2 de novembro de 1920, em Pittsburgh, segunda cidade mais populosa da Pensilvânia, nos Estados Unidos. No início da década de 1920 outros países, como a Austrália, Japão, Holanda, o Luxemburgo e Inglaterra, já tinham emissões regulares em onda média para o público em geral.
O entusiasmo por esta nova forma de comunicação levou a que, em Portugal, alguns radioamadores (os “senfilistas”, aqueles que apostavam na comunicação sem fios) começassem a construir os seus próprios emissores de Rádio, ficando conhecidos como “os minhocas”, caricaturados num personagem do filme “O Pátio das Cantigas”, quem já viu o filme certamente se recorda do “Alô, alô D. Rosa, chegou a sua filha”, e das experiências do famoso Engenhocas.
Estas frases «Canta mas não é Canário »… «Se isto toca? …. Se toca!…. Liga-se à parede e é uma torneira a deitar música!… a onda bate na lâmpada e recua …. isto é … tem que aquecer o carburador … frappé!!» que ficaram célebres na boca do grande ator António Silva no filme “Costa do Castelo” de 1943, a propósito da sintonia dum aparelho de rádio resgatado da “loja de prego” para a festa de aniversário da Luizinha ( Milú ) …
Estes poderiam ser retratos das primeiras transmissões radiofónicas realizadas, em 1914, por Fernando Gardelho Medeiros, que foi um desses pioneiros, com a sua CT1BM (Estação Radiotelefónica de Lisboa), posteriormente chamada de “Rádio Hertz”, mas não há história da Rádio em Portugal que não refira Abílio Nunes dos Santos Júnior que iniciou emissões experimentais a 30 de Setembro de 1924 como “P1AA – Rádio Lisboa”, que já incluía na programação música clássica. Abílio Nunes dos Santos estava ligado à família dos “Grandes Armazéns do Chiado”, onde funcionaram os primeiros estúdios que representavam em Portugal as marcas de telefonias Philips. Na inauguração do Estúdio 3, na Rua do Carmo, a 25 de outubro de 1925, e já com o nome de “CT1AA – Estação Rádio de Lisboa” foi convidada para cantar, a primeira fadista internacional e mais prestigiada da época, Ercília Costa, conhecida também por “Santa do Fado” que, um dia, ao ouvir uma jovem cantar, afirmou:
Esta miúda canta muito bem e quando eu digo que canta bem é porque canta mesmo
Ercília Costa
A miúda cresceu e fez uma inesquecível carreira com o nome de Amália Rodrigues.
Durante o período do Estado Novo, a rádio revelou-se um aparelho técnico e discursivo ao serviço dos interesses de poder, e um instrumento para a legitimação da ditadura. Era o Estado que atribuía as frequências, e por isso, o sistema estava altamente controlado e tinha um serviço de censura prévia às publicações periódicas, também os programas humorísticos estavam sob vigilância da censura, obrigando a manobras linguísticas para que os textos passassem. Muitos “sketches” faziam piadas disfarçadas ao regime, à semelhança do que se fazia no teatro de revista.
É desse tempo o aparecimento do Rádio Clube Português, que fez história no panorama radiofónico nacional. Começou por ser um pequeno posto emissor identificado pela sigla CT1DY a que foram acrescentadas em 1930 e 1931, embora por pouco tempo, as designação Rádio Parede (onde se localizavam os estúdios), e Rádio Clube da Costa do Sol. Na altura foi chamado de “estação oficial do Estado Livre da Parede e da Galiza” quando as suas ondas chegavam apenas até Lisboa.
“A ideia de um clube de senfilistas nos moldes que viemos a realizar com
Rádio Club Português nasceu de um almoço no Restaurante Roma, em que
se reuniram alguns amigos do primitivo «CT1DY – Rádio Parede». Foram aí
lançadas e aprovadas as bases de uma associação de radiófilos que reunisse
boas vontades e competências na criação de uma emissora com seguras
possibilidades de desenvolvimento técnico. Começámos com um posto muito
humilde de meio watt” Álvaro de Andrade em Anuário Radiofónico Português, 1938.
Os aparelhos de receção, já vendidos em lojas da especialidade, funcionavam a válvulas e tinham uns minutos de aquecimento para começarem a trabalhar. Depois, durante mais de meia hora, continuava o aquecimento e era preciso sintonizar de novo, acertar a frequência, que “fugia”… Era um trabalho de paciência, de muita persistência e de habilidade. Mas que compensava: quem tivesse acesso a um recetor de Ondas Curtas e o cuidado de, diariamente, acompanhar as suas emissões, ficava a par do que acontecia no Mundo, pelo menos na maneira de ver dos responsáveis pela programação.
A História era escrita dia a dia, para o bem e para o mal. Para quem mantinha a independência de opinião, era interessante observar como o mesmo assunto poderia ter interpretações diferentes, conforme a proveniência da emissão…
À noite, algumas pessoas também escutavam Moscovo em língua portuguesa, na banda dos 31 metros.
A primeira emissão da Rádio de Moscovo foi para o ar em 29 de outubro de 1929 em alemão. Mais tarde em francês e inglês. Em meados dos anos 1930, começou as transmissões em português. Para contrariar as ideias disseminadas pela Rádio Moscovo, a Emissora Nacional, de Lisboa, apresentava o programa “A verdade é só uma: Rádio Moscovo não fala verdade”. E lá aparecia outra “verdade”, a versão de quem falava, a que se seguia outra realidade, e depois outra interpretação e assim sucessivamente…
Em Portugal, em 1932, coincidindo com a afirmação do Estado Novo, Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e Comunicações, promoveu a constituição da Emissora Nacional, facto que condicionou fortemente a sua estrutura de funcionamento e o tipo de programação. Nesse ano, foi aberto concurso para fornecimento de uma estação emissora de onda média de 20kW, a instalar em Barcarena, prevendo-se já a aquisição de um retransmissor para o Porto e de um emissor de onda curta que teria por objetivo fazer chegar as emissões em português a todos os portugueses espalhados pelo mundo.
A Guerra dos Mundos
No final da década de 30, o que mais os americanos gostavam de fazer era ouvir rádio, quando Howard Koch adaptou o texto literário de ficção científica, escrito por Herbert George Wells em 1898 intitulado “A Guerra dos Mundos” (The War of the Worlds).
Howard Koch, o roteirista novato e ainda desconhecido do Mercury Theatre on the Air da CBS, recebeu a tarefa de adaptar para o rádio. O sucesso de A Guerra dos Mundos e o seu impacto na população americana foi grandemente amplificado por notícias na imprensa escrita, que agora se via ameaçada por uma forma comunicação cada vez mais abrangente.
Usando o microfone da rede de Rádio CBS, na programação do Mercury Theater, para o programa do tradicional Dia das Bruxas nos EUA, começou a transmitir um jantar-dançante, o qual, a partir de determinado momento, passou a ser interrompido por sucessivos boletins, cada vez mais dramáticos, descrevendo o desembarque de naves marcianas nos Estados Unidos.
Por uma série de fatores, a transmissão teve uma audiência maior do que a normal. A qualidade da interpretação e um contexto histórico carregado de tensões, levaram a um resultado explosivo: um em cada cinco ouvintes não notou que se tratava de uma obra de ficção e parte considerável do público acreditou que a Terra estava realmente a ser invadida por marcianos.
Não se sabe até onde a equipa de produção premeditou os efeitos do programa sobre o público. Howard Koch conta que foi dormir logo depois de ouvir a irradiação em sua casa, e que só soube do estrago que havia causado no dia seguinte, ao ler as manchetes dos jornais calmamente sentado na cadeira do barbeiro. De nada adiantou a Orson Welles explicar, no final da estória, que tudo não passara de uma brincadeira pelo tradicional Dia das Bruxas: o estrago estava feito. A tênue fronteira entre dois gêneros do discurso radiofônico, o jornalismo e a ficção, já havia sido arrombada.
Em retrospetiva, a origem do mito da Guerra dos Mundos é bastante fácil de explicar, resume-se à concorrência e à utilidade das notícias falsas para desacreditar a concorrência. Continua a ser até hoje a emissão de rádio mais famosa da história.
O Teatro Radiofónico tinha um papel de relevo na programação da Emissora Nacional, iniciando-se, em 1942, já na Rua do Quelhas, com a transmissão das primeiras revistas radiofónicas e folhetins, destacando-se neste último género “As Pupilas do Senhor Reitor”. Nos anos quarenta destaca-se “Domingo Sonoro”, com uma rubrica que se tornou um fenómeno da rádio portuguesa, “O Zéquinha e Lélé”, interpretado por Vasco Santana e Irene Velez.
No panorama europeu poucas eram as rádios que escapavam do controlo estatal e dessas, as mais ouvidas estavam ligadas ao monopólio das editoras discográficas, transmitindo maioritariamente música com um intuito comercial, numa época em que se vendiam muitos discos. Neste contexto, usando algumas lacunas jurídicas apareceram nas ondas captadas por rádios a válvulas agora já bastante difundidos, as difusões de algumas emissoras que sentiam a necessidade de passar mensagem sonora, fosse música ou palavra, de forma mais livre e menos pré-formatada.
Piratas ao largo
Se os “Piratas” de hoje em dia são munidos de um terminal informático, a palavra Pirata deriva diretamente dos primeiros emissores não “oficiais” que emitiam a partir navios ao largo.
A primeira, Radio Mercur , “estabelecida por um grupo de empresários dinamarqueses” em 1958, “transmitida de um pequeno navio ancorado em Copenhaga, na Dinamarca”. A Mercur inspirou a Radio Nord em 1960, ancorada na costa sueca, depois a holandesa Radio Veronica no mesmo ano.
A primeira rádio pirata em Inglaterra surgiu na década de 60. Tudo começou quando Aodogán Ronan O’Rahilly (1940-2020) deixou a sua terra natal, Dublin, em 1961, com 21 anos, atraído pelo cenário da música pop de Londres. Era agente de jovens artistas, mas, como encontrou as rádios da época fechadas para aqueles que não pertenciam ao cartel das editoras, decidiu criar a sua própria rádio.
Numa viagem de angariação de fundos pelos Estados Unidos, O’Rahilly terá visto uma fotografia da revista Life que o inspirou. Na imagem, Caroline Kennedy e seu irmão, John F. Kennedy Jr., estão a dançar na Sala Oval enquanto seu pai observa, uma atividade que O’Rahilly terá interpretado como uma perturbação lúdica ao governo Kennedy, terá sido esse o mote para dar nome ao seu projeto.
Conseguiu aproximadamente 250 mil libras, com que comprou um antigo navio holandês de porte médio “Fredericia” para o transporte de passageiros e partiu para Greenore, um estaleiro a cem quilômetros de Dublin, que pertencia ao seu pai. Em 1964, o navio estava renovado, equipado com transmissores de rádio e rebatizado de MV “Caroline“.
Os estúdios de rádio foram construídos nos conveses superiores atrás da ponte do navio de 13 toneladas. No porão estavam geradores AC ligados a dois transmissores de onda média (AM) de 10KW, a energia combinada destes era ampliada por a uma torre aérea com quase 50m instalada perto da proa do navio.
No domingo de Páscoa de 1964, o navio zarpou da Irlanda para o Mar do Norte, e a 28 de março, com palavras pré-gravadas, pois estavam nervosos demais para transmitir ao vivo, Chris Moore e o então desconhecido ator Simon Dee anunciaram ‘Esta é a Radio Caroline em 199, a sua estação de música para todo o dia.’ e o slogan passou a ser: “Your all-day music station“
Em seguida, um disco dos Rolling Stones (‘Not Fade Away’) foi tocado e dedicado a Ronan O’Rahilly. Caroline estava no ar! Os monopólios da BBC e do Luxemburgo foram destruídos, mudando para sempre o curso da história da rádio. A rede de rádio estatal BBC teve de criar a BBC One (que existe até hoje).
Radio Caroline chegou de Ramsey Bay a 5 de julho de 1964. Embora anunciado como um “navio de rádio pirata”, ele estava a funcionar legalmente em águas junto à Ilha de Man. A Rádio alcançou um grande público e gerou uma publicidade fantástica para a Ilha. Por um curto período na década de 1960, a Ilha de Man era o lugar mais badalado para se visitar!
A Caroline foi uma rádio revolucionária em sua época. Nas suas play lists musical predominava o então emergente rock and roll americano.
Mas a festa não durou muito tempo… em 14 de agosto de 1967 foi criado o Marine Broadcasting Offenses Act, cuja “intenção e efeito era tratar como criminoso, qualquer pessoa que fornecesse músicas, comentários, publicidade, combustível, alimentos, água ou qualquer outro tipo de assistência, exceto para fins de salva-vidas, a qualquer embarcação, como uma salvaguarda aos acordos da Segunda Guerra Mundial.” já com nova embarcação a emissora teve que sair das águas britânicas, passando a operar no Mar do Norte, onde, permanece em funcionamento até aos dias de hoje.
Uma vez por mês as emissões ainda acontecem a bordo do Ross Revenge, um dos últimos navios do mundo que é a casa de uma rádio.
As emissões podem ser ouvidas através da Internet ( www.radiocaroline.co.uk ) e também na frequência de 1368 kHz (AM).
A praia de Carcavelos
20 anos depois da emissão de “A Guerra dos Mundos” nos Estados Unidos, Matos Maia reproduz, na Rádio Renascença, uma versão nacional. Em vez de Nova Jersia, as coisas começam por acontecer… na praia de Carcavelos. Chamaram-lhe “A Invasão dos Marcianos” e é contada nesta reportagem de 2013.
Contra Maré
A censura foi uma atividade perene e sempre violenta no Estado Novo. Na rádio, isso também existiu.
As datas de proibição de faixas de discos na Emissora Nacional são de 26 de junho e 20 de novembro de 1973. Fácil de entender a perspetiva dos censores do Estado Novo, na proibição de tocar “Pergunto ao Vento que Passa”, de João Ferreira Rosa (1937-2017) ou o poema de Manuel Alegre “Trova do Vento que Passa” começa por “Pergunto ao vento que passa / Notícias do meu país / E o vento cala a desgraça / O vento nada me diz” e também a proibição da canção de Antónia Tonicha, “Balada da Rotina Diária”, porque ela declama contra a energia nuclear e a fome no Biafra. Além da poesia de Manuel Alegre, cuja voz contra o regime vinha desde Argel, a referência à guerra do Ultramar (colónias) estava ali perto, pensaram os censores, outras proibições não tão obvias como o lote de canções de Hugo Maia Loureiro ou Georges Brassens, a lista é muito extensa e até a estrofe “barco parado não tem razão de ser” de um letra de Jerónimo Bragança levantou dúvidas.
A 12 de Março de 1962 a Rádio Portugal Livre iniciou as suas emissões e durante 12 anos, RPL manteve emissões diárias de meia hora, às 7.00 h às 19.00 h, às 21.15 h e das 0h00 às 0h20. Aos domingos, emitia um programa destinado especialmente aos camponeses e à agricultura e aos sábados o programa “A Voz das Forças Armadas”.
Mais tarde, em 1963, após a independência da Argélia, e com a participação do PCP, iniciou também as suas emissões a rádio “Voz da Liberdade”, orgão da FPLN, que emitia aos sábados (posteriormente também às quartas-feiras) a partir das 0,45 horas.
Diferentemente de rádio Voz da Liberdade, que utilizava as instalações da Rádio de Argel, a RPL era, ela própria, clandestina. Para as suas emissões utilizava instalações técnicas criadas no quadro da cooperação internacional por alguns partidos comunistas e postas à disposição de partidos submetidos à clandestinidade por regimes de ditadura fascista, já os emissores da RPL estavam instalados na Roménia, e foi de Bucareste, quando se apregoava que era Moscovo ou Praga que se lançavam as ondas para o ar de Portugal. A última emissão da RPL (1974) acabou com a seguinte frase: “Esperamos que nunca mais seja necessário haver uma rádio clandestina, para que o povo português saiba o que se passa no seu próprio país“
Águas Mil
No dia 25 de Abril de 1974 Portugal terminava definitivamente com meio século de opressão, medo e atraso. No dia anterior a rádio foi a “senha” para o arranque simultâneo dos militares que decidiram acabar de uma vez por todas com uma ditadura que matava o País com uma morte que não se via mas matava.
5 minutos antes das 23h do dia 24 de Abril de 1974, nos estúdios da Rádio Alfabeta dos Emissores Associados de Lisboa, o locutor de serviço – João Paulo Dinis – “lançou” a música “E depois do adeus” de Paulo de Carvalho. Era o sinal para as tropas avançarem.
A “senha”, constituída pela canção Grândola, Vila Morena, de José Afonso, foi gravada por Leite de Vasconcelos e posta no ar por Manuel Tomás, no âmbito do programa Limite da Rádio Renascença, à meia-noite e vinte, antecedida da leitura da sua primeira quadra.
“Grândola, vila morena
Terra da fraternidade,
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade”
Esta segunda “senha” transmitida pela estação de cobertura nacional, serviu para informar todos os quartéis e militares que aderiam ao golpe, de que tudo estava preparado e a correr conforme o previsto.
Era o arranque sincronizado e irreversível das forças do MFA (Movimento das Forças Armadas) e quatro horas mais tarde a rádio era já o eco da liberdade e augúrio de que tudo iria correr bem.
A Rádio Clube Português é ocupada por militares e transformada no posto de comando do «Movimento das Forças Armadas» – por este motivo a emissora fica conhecida como a “Emissora da Liberdade”. Às 04h26 o locutor Joaquim Furtado fazia a leitura do primeiro comunicado do MFA, aos microfones do Rádio Clube Português:
“Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma. Esperamos sinceramente que a gravidade da hora que vivemos não seja tristemente assinalada por qualquer acidente pessoal, para o que apelamos para o bom senso dos comandos das forças militarizadas no sentido de serem evitados quaisquer confrontos com as Forças Armadas. Tal confronto, além de desnecessário, só poderia conduzir a sérios prejuízos individuais que enlutariam e criariam divisões entre os portugueses, o que há que evitar a todo o custo.”
Assim começou a cair a ditadura portuguesa durante um golpe de Estado que se transformou a seguir numa revolução pacífica e popular que foi notícia de grande destaque e saudada por todas as democracias do mundo.
No entanto, a história da rádio em Portugal fica também marcada em 1975 com a Lei da nacionalização da rádio (2 de dezembro de 1975) que criou a integração de várias rádios no grupo RDP (Radiodifusão Portuguesa), o que originou a que, as rádios que não foram integradas neste grupo acabassem por fechar por falta de ouvintes. Com esta integração, durante alguns anos, não foi permitido aparecer novas estações de rádio de âmbito privado, o que levou ao surgimento em 1984 das primeiras emissoras clandestinas, as chamadas de rádios livres ou “Rádios pirata”.
Piratas em Portugal
As “rádios-piratas” ou “rádios livres” foram um movimento reacionário que agitou o panorama português. Na década de 1970 eram centenas as que emitiam em
diversos pontos do país. Portugal seguiu uma tendência europeia.
O movimento das “rádios-piratas” dividiu-se em duas fases: a fase da euforia e do amadorismo, de 1977 a 1984; e a fase mais importante para a reafirmação do setor radiofónico, de 1984 a 1988. A rádio considerada pioneira em Portugal foi a Rádio Juventude, criada em 1977.
Foi do alto de dois prédios, um no Lumiar, o outro em S. João da Caparica, que saíram os primeiros sons de uma emissão pirata daquela que mais tarde viria a ser a TSF, a 17 de Junho de 1984. Eram apenas quatro horas de depoimentos de perto de 60 personalidades portuguesas, que soaram em Lisboa, num domingo de manhã, através de dois emissores quase artesanais, construídos por um engenheiro holandês e instalados em segredo naqueles dois edifícios.
Nos finais do ano de 1988 o governo trava a expansão destas rádios obrigando-as a fechar. Com o intuito de legalizar algumas rádios pirata surge no início de 1989 a nova lei da rádio, que permitiu às rádios piratas com melhores condições e equipamentos continuar as suas emissões normais.
A TSF surgiu nesta lógica de combate às normas instituídas e demonstrou ser uma rádio disruptiva, que modificou o jornalismo em Portugal e constituiu-se como a primeira rádio de informação privada, legalizada em 1989.
Ilhas no Mar de Hertz
A transmitir em exclusivo para Lisboa, a Xfm nascida em 1993 como espécie de franchising da congénere inglesa, dizia ser um canal direcionado para uma “imensa minoria” de melómanos e cidadãos que não se reviam no que, por essa altura, se fazia no éter radiofónico. A playlist estava fora dos cânones habituais (geralmente dava airplay aos lados b dos singles) e os radialistas de serviço demonstravam um conhecimento profundo do panorama musical, sem necessitarem de ficar “sufocados” pelos hits que estavam na moda. Foi casa de António Sérgio que daria voz à “Hora do Lobo” numa emissora que tinha gente que falava de música por paixão e não apenas para entreter. Gente que vasculhava as novidades e as sabia confrontar com as memórias que nunca se podem esquecer. Não se pode entender o futuro sem valorizar o passado. As emissões da “X” terminaram a 31 de Julho de 1997.
No entanto, continuaram a existir espaços que deixam expressar o «eu» de cada locutor. Tal como foi o caso da Voxx, que nasceu em 1998 das cinzas da extinta Xfm, cuja programação deixava ao critério de cada autor a personalização do seu próprio programa. Sempre com o objetivo de agradar o público, a emissora dava espaço para que os autores mostrassem um pouco da sua personalidade nas escolhas musicais que faziam, à medida que acompanhavam a evolução e apresentavam as novidades. Os programas «de palavra» da Voxx provaram que a rádio não se faz apenas de música, e que só a rádio pode cumprir o papel de indutora do pensamento, através da criação de novos conceitos no ouvinte.
É ainda de sublinhar o trabalho desenvolvido pela Oxigénio e, fora de Lisboa, a perseverança da RUM – Rádio Universitária do Minho (Braga) e da RUC – Rádio Universidade de Coimbra (Coimbra) pois, lendo as medidas recentemente tomadas pela Noruega, no sentido de desligar o FM, um dia poderá ser apenas possível ouvir rádio através do digital.
No Horizonte
No sentido inverso, atualmente, mesmo em Portugal, muitas das estações nacionais gravam previamente o que os locutores vão dizer aos microfones para evitar os enganos e poupar tempo, utilizando o que tecnicamente se chama “voice tracking”.
“Nos Estados Unidos já estão a abandonar isso porque se a rádio não for mais humana vai perder para as digitais e para aquelas em que se pode programar o que se quer ouvir”, diz Luís Montez, defendendo que é a humanização que lhe vai garantir o futuro, numa sociedade em que a solidão é um fenómeno preocupante.
O casamento das ondas hertzianas com a Internet tem vivido momentos felizes, em vários domínios. Um dos fenómenos recentes – e que pode acentuar-se nos próximos anos – é maior audiência que a rádio tem vindo a conquistar à noite, graças à Internet. Depois da hora de jantar, já são muitos os que deixam de ver televisão para navegar na Web, atividade que é muito mais compatível com a companhia da voz e da música.
A Europa e a América do Norte estão a seguir diferentes caminhos no que diz respeito à transição para a rádio digital. Mas nem num caso nem no outro as maravilhas da tecnologia estão massificadas. O atual sistema analógico, que dentro de alguns anos pertencerá apenas ao passado, é ainda o rei em quase todo o mundo.
A Europa criou o Digital Audio Broadcasting (DAB), a partir do projeto de investigação e desenvolvimento Eureka 147, que permite receber o som das ondas hertzianas com qualidade digital, sem interferências, e ao qual se pode acrescentar aplicações multimédia. Por exemplo, um auto-rádio, munido de um monitor, pode vir a receber texto, imagem gráfica e até vídeo.
A rota para navegar nas novas emissões tem de ser descoberta por cada um de nós, pelos gostos musicais próprios e independentes e o desejo de escutar conteúdo relevante.
Alguns projeto interessantes e inovadores surgem agora apenas online, como “A Futura – Rádio de Autor” que se assume como um projeto online independente, de transmissão diária a partir de Lisboa, cuja missão é divulgar os vários campos das artes, sendo o foco principal a música e pode ser escutado em radiofutura.pt/
Outras formas de escutar rádios de todo o mundo, de forma digital, nos seguintes links:
Drive & Listen – onde se pode fazer uma viagem virtual por várias cidades escutando as emissoras de rádio locais.
Radio Garden – Rádios de todo o mundo, escolhidas no globo, pela sua localização.
Poesia
No estuário do rio Blackwater, em 2018, a TSF junta-se à tripulação da Caroline, da equipa fazia parte André Cunha, um dos mentores de um projeto foi para o ar no ultimo dia 13 de fevereiro, Dia Mundial da Rádio.
Criada em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, a Poesia.fm é uma estação de rádio online dedicada exclusivamente à poesia feita em língua portuguesa. Nesta nova rádio não vai ouvir uma emissão contínua como as outras, mas sim uma série de podcasts para ouvir quando e onde quiser. Todos os dias vão passar leituras poéticas, conversas com convidados, documentários, música, performance, ficção e outro tipo de criações relacionadas com o tema.
Esta vontade de unir a paixão pela rádio à cultura é uma intenção antiga de Oriana Alves e André Cunha, que agora encontraram na candidatura de Oeiras, a Capital Europeia da Cultura 2027, o impulso que faltava para a concretizar.
Fernando Alves, Ana Paula Tavares e Pedro Lima são nomes que passarão por esta rádio online recuperando diálogos à volta de versos ou lendo poemas antigos. Nos próximos meses será possível escutar peças de Sofia Saldanha, Luís Caetano, Rita Colaço, Rita Costa, Sandy Gageiro, Laura Romero, Tiago Schwäbl, Oriana Alves e André Cunha.
O objetivo do projeto é também disponibilizar os conteúdos para professores e educadores dos países lusófonos, dando espaço à expansão desta “nova forma de escutar o mundo”.
A poesia.fm é um projeto independente que nasce em 2022 com a parceria do Município de Oeiras, integrado na sua candidatura a Capital Europeia da Cultura em 2027. Por esses dias, a poesia.fm quer ser um barco a navegar pelas ondas da Europa. Na viagem, até chegar ao ilhéu do Bugio, na foz do Tejo, esse futuro veleiro da rádio talvez se cruze com o mítico Ross Revenge, o último navio-casa da Radio Caroline, ícone das rádios livres da segunda metade do século XX.
Jornais, sites e revistas consultadas:
- A Voz
- Diário de Notícias
- Electra
- O Jornal do Comércio e das Colónias
- O Século
- Rádio Jornal
- Rádio Revista
- Rádio Semanal
- Mediapolis
- Aqui Emissora da Liberdade, Maia, Matos- 1975
- colorizemedia.com
- urap.pt
- archive.org
- aminharadio.com
- Biblioteca Online de Ciências da Comunicação
Dicionário
bolinar
verbo intransitivo
- NÁUTICA: (navio) navegar à bolina; conduzir (navio) de modo a ganhar barlavento;
- figurado: andar sem rumo certo, vaguear; andar ao acaso; caminhar aos bordos, oscilante